A Netflix lançou um documentário sobre redes sociais que está causando polêmica – nas redes sociais. Afinal, onde mais temos para conversar ampla e coletivamente sobre um assunto?

O Dilema das Redes traz um tema que nem novidade é: mostra a briga de cada uma dessas empresas para ocupar nosso tempo e acessar nossos dados. Com isso, oferecer produtos e nos direcionar para campanhas publicitárias com grandes chances de acerto e, claro, de faturamento.

[Para ler daqui pra frente, talvez seja melhor você assistir antes – alerta de spoiler.]

E quem apresenta as informações e modos invasivos com que elas atuam? Executivos que ajudaram a criá-las – e que hoje estão arrependidos de muitos passos, e trabalham em outras empresas, associações ou iniciativas, muitas delas criadas com o objetivo de reverter os estragos e oferecer humanização online. Alguns deles têm filhos que não têm – e, eles juram – nunca terão redes sociais, porque eles sabem o quão invasivas elas são, e da capacidade que têm de direcionar nossas opiniões e decisões! Muito disso já foi discutido anteriormente, especialmente durante as eleições para a presidência dos Estados Unidos de 2016. Na época, foi grande a desconfiança de que o Facebook teria ajudado Donald Trump a faturar o cargo.

Para ilustrar como algoritmos funcionam, foi feita uma dramatização, então há uma pequena novela dentro do documentário para mostrar como funciona a engrenagem e as consequências de seu (mau) uso em nossas vidas.

O fato de não apresentar um tema inovador tem feito o documentário receber análises duras de críticos, jornalistas e entusiastas. Entre os principais argumentos, estão:

  • Como somos manipulados para gerar lucros já foi extremamente explorado;
  • O impacto que essa invasão pode ter em nossas vidas pessoais também;
  • Rede social vicia: tema velho;
  • As redes facilitam a disseminação de fake news: idem;
  • A dramatização é ruim, dá vergonha alheia;
  • Os mesmos homens brancos do Vale do Silício que criaram o problema vêm agora dizer que isso é um problema, mas não apresentam solução – e quem precisa mesmo da opinião deles?;
  • A própria Netflix utiliza o jogo de algoritmos para levar vantagem sobre nós – como é que ela tem a discrepância de vir falar sobre isso?

Então, para que assistir?

Nós podemos tomar iniciativas!

Bom, há os pontos positivos, sim:

  • A própria Netflix utiliza o jogo de algoritmos para levar vantagem sobre nós – e que bom que ela abre esse espaço para a reflexão e discussão. Não seria pior ela rejeitar a veiculação exatamente por isso?;
  • A novela criada pode ser mesmo de gosto duvidoso, mas ela tem um papel fundamental e, talvez, o mais importante do documentário até o momento: popularizar a explicação dos algoritmos. Pessoas de classe e formação diferentes vão assistir e entender como o robô escolhe colocar sob nossos olhos aquele anúncio específico exatamente naquele momento. Isso é importante! É preciso sair do “tequinês” para que mais e mais pessoas entendam que estão, sim, sendo usadas como produtos ao usar as redes sociais;
  • É essencial que a gente possa parar para analisar o que estamos fazendo de forma tão automática e no dia a dia e, ainda que o filme não traga soluções de fato, por que não fazer essa reflexão?;
  • De forma superficial, o filme traz como solução a criação de regulação no setor, o que permitiria mais transparência no funcionamento de tudo isso.

Mas, talvez, o mais legal do filme seja que ele não acaba em si: o site www.thesocialdilemma.com fala do filme, bastidores, entrevistados, mas também traz outras abas interessantes; levanta o dilema propriamente dito, ao apresentar informações como: um estudo com 5 mil pessoas descobriu que o maior uso da mídia social está correlacionado com declínios autorrelatados na saúde mental e física e na satisfação com a vida; o número de países com campanhas de desinformação política nas redes sociais dobrou nos últimos dois anos; e 64% das pessoas que aderiram a grupos extremistas no Facebook o fizeram porque os algoritmos os conduziram até lá.

Ainda, traz uma agenda de debates e lives online (em inglês) e convida a todos a tomar atitudes, incentivando discussões, o autocontrole do uso das redes sociais, a instalação de dispositivos de segurança, a participação em sociedades e projetos sociais que olham para a causa, a instalação de plugins para combater a falta de informação e a participação em cursos, entre outras iniciativas.

Sair das redes sociais, naturalmente, não é a solução. Mas, sim, podemos nos mexer colaborativamente para começar a exigir mudanças em leis, que interfiram no modo como os robôs agem hoje, livremente.

O filme não deve ser descartado porque o tema é velho, ao contrário: esse assunto está só começando. Não é um problema que acaba nele mesmo; é preciso evoluirmos para algo mais transparente e positivo para as pessoas. Informe-se mais, leia, participe com sua opinião.

Não pare de ler. Só destes últimos dias, sugerimos o texto no The Intercept e a coluna da Folha de S. Paulo.

 

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